domingo, 30 de setembro de 2012

Livro:Vagina, uma nova biografia



As palavras, quando usadas em referência à vagina, sempre são mais do que "só palavras". Graças à sutileza da relação mente-corpo, as palavras que aludem à vagina são também o que o filósofo John Austin (1911-60), no livro "Quando Dizer é Fazer", classifica como "enunciados performativos", frequentemente empregados como meio de controle social. Um "enunciado performativo" é uma palavra ou frase que realiza algo de fato no mundo real. Quando um juiz diz "culpado!" ao réu ou um noivo diz "aceito", as palavras modificam a realidade material.
Estudos indicam que ameaças ou admiração verbais ou palavras de conforto podem afetar sexualmente a vagina. Um estudo sugere que um ambiente estressante pode afetar negativamente o tecido vaginal. Esse "estresse negativo" pode também, na medida em que promove ou inibe o orgasmo, elevar ou abaixar os níveis de confiança, criatividade e esperança das mulheres. Por isso, as mulheres reagem a alusões injuriosas a suas vaginas feitas por homens ou a ameaças implícitas de estupro, mesmo quando são "só piada" --embora a maioria de nós não saiba as explicações científicas de reações viscerais que nos mostram que o abuso verbal faz mal.
A humorista Roseanne Barr descreveu o comportamento de roteiristas de TV homens quando mulheres ingressavam na categoria profissional: observou que odiava ir à sala dos roteiristas porque em três minutos alguém faria uma piada sobre "perereca fedida".
Quando uma mulher está num local de trabalho onde seus pares homens querem lhe mostrar que não é bem-vinda, não é raro surgirem palavras ou imagens de insulto à vagina: por exemplo, aparecem em lugares públicos páginas centrais de revistas masculinas, com modelos nuas de pernas abertas e o rosto da mulher em questão sobreposto ao corpo nu.
É claro que motivações culturais e psicológicas exercem um papel nesse tipo de assédio. Mas não se deve ignorar o papel da manipulação do estresse feminino por meio dos ataques à vagina.
Esses atos com frequência são impessoais e táticos --estratégias para atingir mulheres com um tipo de pressão que não é compreendido conscientemente, mas que pode ser intuído e até sobreviver na memória popular como algo que suscita um "estresse negativo" neuropsicológico mais amplo que debilita as mulheres.
Em 2010, alunos homens da Universidade Yale se reuniram no evento "Tomar a Noite de Volta", em que suas colegas protestavam contra agressões sexuais. Os rapazes gritaram: "'Não' quer dizer 'sim', e 'sim' quer dizer 'anal'". Algumas delas processaram a universidade, argumentando que a tolerância a tal comportamento criava um ambiente educacional desigual. Eticamente, elas tinham razão; neurobiologicamente, também.
Quase todas as mulheres jovens confrontadas com homens gritando slogans do gênero provavelmente sentirão leve pânico instintivo. Em algum nível, estão recebendo a mensagem de que podem estar na presença de candidatos a estupradores. Com isso, torna-se impossível para elas ignorarem comentários imaturos, algo que se costuma pedir às mulheres.
O estresse de uma ameaça sexual libera cortisol no fluxo sanguíneo. O cortisol já foi vinculado à presença de gordura abdominal em mulheres --que é acompanhada dos riscos de diabetes e problemas cardíacos-- e também eleva a chance de doenças cardiovasculares e AVCs. Se você impuser estresse sexual suficiente a uma mulher, com o tempo é provável que ela tenha problemas em outros aspectos da vida; ela terá dificuldade em relaxar na cama, na sala de aula e no escritório.
Isso inibirá a injeção de dopamina que ela receberia de outro modo, o que, por sua vez, impedirá a liberação em seu cérebro de substâncias químicas que, não fosse isso, a deixariam confiante, criativa, focada --e eficiente, algo especialmente relevante se ela está competindo acadêmica ou profissionalmente com você. Com essa dinâmica, a frase "foder com ela" ganha todo um outro sentido.

NAOMI WOLF, 49, americana, é autora de "O Mito da Beleza" (Rocco) e de "Vagina: A New Biography
Texto publicado originalmente pelo jornal britânico "The Guardian".
Folha de São Paulo Vagina,uma nova biografia

 

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